domingo, 27 de agosto de 2017

Trabalhando Com Frederico 
 Estava orgulhosa por receber meus bônus-horas. Todos os trabalhadores têm período de descanso, mas os que querem trabalhar neste período ganham dobrado. Não estava necessitando de descanso.

Entusiasmada passei a trabalhar muitas horas com Frederico.


Quando trabalhava muito, sentia-me cansada, mas logo me refazia.


Meu amigo tem uma sala na parte do hospital onde estão os internos melhores. Para que vocês entendam: ele fazia um trabalho de psicólogo ou de psiquiatra. Continuava como uma secretária a organizar horários, fichas e encaminhando os pacientes. 


Enquanto eles conversavam com Frederico, ficava sem fazer nada.

—Patrícia, — Frederico me convidou — você não quer entrar na sala e ficar a ouvir, a fim de aprender o que traz estes nossos irmãos a conversar comigo?


—Sim — respondi contente.


Percebi então os muitos problemas que tem a maioria desencarnada em tratamento. Escutava sem nada dizer, às vezes me dava vontade de rir, outras me emocionava. Como dizia vovó, nada como ajudar para compreender. Vendo, sentindo problemas dos outros, dei graças ao Pai por não tê-los, por não tê-los criado para mim.


A maioria dos problemas dos daqui são os que ficaram aí, ou seja, relacionados com os encarnados. Pediam para visitar os familiares ou ajudá-los. Só que não se consegue auxiliar, encontrando-se ainda entre os necessitados de ajuda.


Quase todos falavam de sua vida encarnada e como
desencarnaram. Frederico escutava atencioso indagando de vez em quando. Uns reclamavam do choro dos familiares que os incomodava.


Outros pediam orientações de como fazer para não escutar os lamentos e chamados dos entes queridos.


—Deve-se orar por eles — falava calmamente Frederico —, ter paciência, o tempo passa, suavizando.


Meu amigo respondia a todos, orientando-os com sabedoria.


Também anotava os endereços dos casos mais aflitivos. Quando finalizava o horário de atendimento, Frederico ia às residências anotadas,tentava orientar, ajudar os encarnados, motivando-os a se consolar e deixar de perturbar seus entes queridos.


Mas havia queixas diferentes. Uns julgavam-se esquecidos, principalmente pelo cônjuges. Foram alguns pedidos para voltar, e até no corpo físico. 


Não queriam reencarnar, nascer num outro corpo. Queriam o deles mesmo. Um até pediu para voltar uns dez anos mais moço.

Às vezes, pensava que Frederico não iria sair daquela. Mas ele, como grande conhecedor do espírito humano, falava educadamente, com tranqüilidade, convencendo os entendidos. 


Alguns não gostavam das respostas, mas acabavam convencidos. 

Muitos voltavam muitas vezes, até superar seus problemas ou parte deles. Porque infelizmente muitos se fixavam tanto nos seus problemas que não viam mais nada, e outros gostavam de tê-los, necessitando de maior tratamento. Narro alguns casos, não por curiosidade mas para que sirvam de lição a todos nós.

—Veja bem, Dr. Frederico — disse um senhor. 


—Verá com o que lhe digo, o senhor me dará razão. Sempre fui muito trabalhador, tive posses. Honesto, nem sempre. Não posso mentir, sei que não iria enganá-lo.

Só tapiei alguns trouxas nos negócios. Minha primeira esposa me ajudou muito, não tivemos filhos, ela desencarnou e casei com outra.


Minha segunda esposa é linda, tivemos filhos. A danada me traiu e, quando descobri, fui matar o safado e foi ele quem me matou. 


Quero voltar e tirar os filhos dela. Não quero vingança. Sofri muito querendo vingar, já perdoei os dois. Meus filhos irão se perder com ela, irão errar, tenho a certeza. Não quero ir como desencarnado, eles não me verão.

Não dá para o senhor fazer com que eu volte?


Frederico, bondosamente, tentou esclarecê-lo.


—Meu irmão, quando encarnado, você viu alguém desencarnado voltar com o corpo morto? O seu corpo após tanto tempo já é pó. 


Isto é impossível! Lembro-o que todos têm como encarnados oportunidades de seguir o Bem. Seus filhos não estão desamparados por Deus. Você pode ajudá-los.

—Mas eles não me darão crédito. Não irão me dar atenção.


—Não desanime sem tentar. O senhor já leu a Parábola de Lázaro e o rico?


—Já, a do Lázaro pobre e do rico que morreu e quis voltar para avisar seus irmãos e não pôde.


—Leia novamente com atenção.


—O senhor não pode me ajudar?


—Posso. Irei, por você, tentar ajudar seus familiares.


—Queria mesmo voltar encarnado e tirar meus filhos dela e educá-los melhor.


—Meu irmão, você já reencarnou muitas vezes. Se voltasse recordando talvez tentasse mudar. Mas esquecendo, erraria de novo. Por que não se fortalece nos ensinos da boa moral?


O senhor saiu não muito satisfeito.


—Frederico — falei — parece incrível escutar este pedido. Pensei que desencarnados tivessem mais consciência.


—Deveriam ter, mas desencarnados não diferem muito dos encarnados. Não se torna melhor pelo desencarne. 


Torna-se melhor quando se aprende. Este senhor não se preocupou quando encarnado em educar os filhos, agora é sincero, se preocupa com eles, mas tardiamente.

Parece com o rico da parábola que recomendei que lesse com atenção.


—E fez um pedido mais incrível ainda, voltar com seu corpo.


—Embora saibam ser impossível, tentam. Se isto fosse possível seriam muitos a voltar.


—Ainda bem que não é. Frederico foi ao lar terreno dele e fez o possível para chamá-los à responsabilidade. No dia seguinte, tranqüilizou este senhor. Disse que a esposa estava sendo boa mãe, pelo menos, amava os filhos. Ele resolveu seguir os conselhos de Frederico. Melhorar, aprender para poder no futuro tentar ajudar os filhos.



Uma mulher, com expressão sofrida que dava dó, disse lacrimosa:


—Dr. Frederico, não quero parecer ingrata. Desencarnei, sofri muito, vaguei pelo Umbral, fui socorrida e me sinto melhor. 


Porém... É que não gosto do Umbral, tenho horror a ele, não quero vagar e... Não quero ficar aqui. Não gosto daqui. Tratam-me bem, mas recebo um tratamento igual a todos. Não posso comer carnes, não posso tomar meus aperitivos.

Detesto estar desencarnada! Queria morrer mesmo. A morte não é como esperava. Se pelo menos tivesse o céu.


—Será que, se tivesse o céu como pensava, a senhora iria estar nele?


A senhora não respondeu. Estranhei, era a primeira pessoa que ouvia diretamente dizer que não gostava da Colônia. Frederico continuou:


—A senhora está insatisfeita consigo mesma. O que a Colônia pode lhe oferecer é isto que recebe. Enquanto muitos são felizes aqui, há os descontentes como a senhora. Que quer realmente?


—Não sei. Não queria ter desencarnado, mas também não gostava da minha vida encarnada. Talvez se reencarnasse rica, linda e inteligente.


—Para fazer o quê?


—Ser feliz, gozar a vida.


—Por quanto tempo?


—Se soubesse não estaria aqui — disse sem paciência.


—Minha irmã, já tentou ser feliz trabalhando, sendo útil?


—Não.


—Já experimentou sentir alegria em ajudar o próximo? A senhora necessita se amar para aprender amar o próximo. Deixar de ser uma necessitada e ser útil. Aqui na sua ficha está anotado que está bem. 


Por que não se dispõe ajudar?

—Acho tão difícil...


—Amanhã voltará para conversamos melhor. Tente hoje ser útil por duas vezes.


A senhora saiu como entrou, lacrimosa.


—Frederico — indaguei — ela queixa-se de estar na enfermaria.


Por que tive um quarto só para mim?


—Patrícia, Jesus recomendou-nos que vivêssemos encarnados entesourando bens espirituais, dando valor na parte verdadeira, a que nos acompanha após a morte do corpo. Todos que fizeram o que Jesus recomendou acham não merecer este simples tratamento que é ser alojado por um curto período num quarto individual. Para estar, estar aqui é venturoso. Alguns imprudentes, orgulhosos, não gostam de se misturar, esquecem que são irmãos de todos e que o Pai é um só. Chegam aqui tais como mendigos e alguns a exigir regalias que não fizeram por
merecer.


Aos poucos esta senhora foi mudando, Frederico tudo fazia para que entendesse que só o Bem a faria feliz. Ela começou a fazer pequenas tarefas, mas resmungando. Frederico me disse que os orientadores da Colônia iam tentar ajudá-la para que vencesse a ociosidade ou ela teria que reencarnar. A Colônia não abriga ociosos.


Um senhor, aparentando trinta e cinco anos, entrou na sala um tanto envergonhado.


—O doutor me ajudaria? Gosto daqui, quero ficar, mas sinto falta de sexo.


—Você gosta daqui porque solucionou um dos pesos que aflige o ser humano, que é a disputa da sobrevivência. Aqui recebe muito, até os reflexos de sua doença estão sendo superados. Está abrigado, alimentase, não sente frio ou calor, enfim está acomodado. Mas, ao mesmo tempo, você anseia pelas satisfações que o mundo físico lhe proporcionava.


Sente falta somente dos que julgava bons, dos prazeres. Vou ajudá-lo.


Para você não ser atingido por estes ecos de satisfações do mundo físico de qualquer circunstância, é necessário que eleja com toda sua força e atenção um objetivo aqui no mundo Espiritual que agora vive, e que a ele se dedique com toda sua alma. Neste sentido, as energias que hoje lhe trazem um eco do passado se dirigirão para este novo objetivo.


Aconselho-o a ser útil, a trabalhar, a estudar, a interessar-se em fazer o Bem a tantos irmãos daqui mesmo, aos alojados na outra parte do hospital, que sofrem. Assim estará liberto parcialmente dos ecos das satisfações do mundo físico, no seu caso, do desejo sexual.


Já havia escutado uma mulher queixar-se do mesmo assunto e Frederico ter-lhe dito que se voltasse com carinho a uma atividade, trabalho ou estudo, que estaria parcialmente liberta destes desejos. Este senhor era o último atendimento do dia. Tendo tempo, indaguei a Frederico, querendo aprender:


—Por que parcialmente e não plenamente, se aqui na realidade não se tem necessidade destas funções?


—O apego ou escravidão a qualquer uma das funções, gula, sexo, mentir, muito falar; os vícios, tanto aparentemente inofensivos como os prejudiciais na visão da sociedade, fazem parte da busca incessante do homem em preencher seu vazio físico.


O Homem é a soma de todas as experiências pelas quais a humanidade vem crescendo através dos incontáveis milênios de que temos notícias. O primeiro sentido a se manifestar foi o tato e através dele é que o homem teve seus primeiros prazeres. O segundo, o grande, da sobrevivência, alimentar e procriar. Mas, falando especificamente da procriação, porque as outras estão no mesmo plano.


Este é o maior dilema do homem, porque condenam o sexo promíscuo, mas não ensinam ou explicam por que o homem tem. Se ele é mau por que o possui? 

Se ele é bom, por que o reprimir? A chave da questão está na sua fonte. Se você pegar um rio e no meio do seu curso erguer um dique, você quer que as águas não corram mais naquele leito, seu trabalho será constante, terá que forçar o dique todos os dias. Elas ficarão represadas a cada dia com mais força e poder de pressão. Se descuidar, romperá o dique e sua ação devastadora será mil vezes maior do que quando estavam no seu curso normal. Da mesma forma é esta fabulosa energia vital. No seu primeiro impulso ela seduz o homem com prazer para garantir a perpetuação da espécie humana. O homem então se torna escravo desta energia. 

Um mero reprodutor da espécie. Mas como a prole pesa aos ombros dos seus genitores, a sagacidade da inteligência, não querendo abster-se do prazer.

Outros homens por devoção ou crença abstêm-se do uso desta energia.


Pode acontecer de em futuro próximo arrebentar e produzir mais estrago ou adormecer a energia secando este leito com prejuízo dele mesmo.


Alguns poucos, em vez de fazer dique ou amortecer esta energia, remontam à fonte vital. Procuram saber de onde nasce esta energia que é capaz de fazer nascer o ser vivente e inteligente. 


Reconhecendo que ela nasce do próprio eterno, desviam-na do leito do prazer mundano que proporciona a perpetuação da espécie, dirigem-na para a espiritualização do indivíduo, proporcionando, assim, a perpetuação da alma. A libertação não se faz pela repreensão, mas sim pela compreensão do que o homem é. Baseado nisto, usa-se toda a energia que o sustenta no sentido de possibilitar que se renasça o novo homem como cidadão cósmico. Não mais interessado nos prazeres egoístas, mas sim na glória da manifestação de Deus no homem e todos seus filhos.

Não poderia, Patrícia, falar isto que lhe falo àquele senhor, ele não entenderia. Está ainda escravo de vícios, se ele tiver um objetivo maior, ficará liberto parcialmente, só estão libertos plenamente os que fizeram como exemplifiquei. Ele não entenderia, como assim poucos compreendem o que Paulo de Tarso disse: “A natureza sofre e geme dores de parto até que nasça o filho do homem”.


Depois de alguns dias trabalhando com Frederico, em que aprendi muito, indaguei se ele gostava do que estava fazendo.


—Há tempo, Patrícia, estudo o comportamento do ser humano em todas suas faces. Não há trabalho que não goste. Sou feliz em ajudar.


Tantos fatos diferentes vi nestes poucos meses de desencarnada.


O que será que os encarnados pensarão ao ler tudo que narro? Irão rir? Pasmarão? Vão descrer? Só desencarnando para conferirem.

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