domingo, 27 de agosto de 2017

Relato Das Três Amigas 

Nas horas de lazer, é costume visitar amigos e parentes por aqui.

Gostamos de nos reunir e conversar. O assunto preferido entre familiares são os parentes. Falamos a respeito dos entes queridos desencarnados que não estão bem e sobre os parentes encarnados. Trocam-se idéias e ajuda. Na casa de vovó, recebem-se muitas visitas e, como estava sempre por ali, quando convidada, ficava junto. Escutava conversas, participara e, com isto, aprendia muito.


D. Amélia, uma das senhoras que moram conosco, recebeu a visita de sua neta Marina e da amiga dela, Isa, que residiam em outra Colônia. Conversamos animadas. Como quase sempre acontece, a conversa foi sobre a desencarnação. D. Amélia foi a primeira a falar da sua desencarnação.


—A morte do meu corpo foi muito dolorida. O câncer foi destruindo meu corpo. Revoltei-me com tudo e todos, tornei-me uma doente amarga.


Muita debilitada, meu corpo morreu, nada vi ou senti, só percebi tempos depois. Continuei a sofrer com meu desencarne. Vaguei com dores pelo meu antigo lar. Sofri muito. Depois de muitos anos, fui socorrida. Entendi que foi merecido tudo o que passei. Tendo saúde encarnada, não dei valor, tomava sempre bebidas alcoólicas, fumava, envenenei meu corpo com o egoísmo, inveja e ciúmes. Se não fiz mal a ninguém, fiz pouco bem.


O bem que fiz foram as poucas esmolas, resto do meu supérfluo, que distribuí. Nunca pensei em ajudar realmente alguém. Vivi encarnada cultivando a matéria, como uma tola imprudente, ignorando a parte verdadeira, a espiritual. A dor, a doença, tudo isso foi uma tentativa que havia escolhido antes de reencarnar, para alertar-me, mas fiquei revoltada, não sofri com resignação. Quem não sofre com aceitação, pouco lhe adianta. Depois, em vez de reconhecer meus erros, me revoltei, achando injusto, por não ter feito, no meu ponto de vista, nada de ruim, não matara, não roubara, não traíra, etc. 


Esquecendo que pude fazer o Bem e não fiz. Nem aprender quis. 

Para que saber? Dizia sempre, depois de morta, aprendo. Isto, se tiver continuação da vida. Teve, continuei a existir depois do meu corpo ter morrido. E continuei a sofrer pelos mesmos motivos. Até que, cansada, comecei a ver realmente meus vícios. Mais humilde, clamei, pedi ajuda. Amigos e parentes levaram-me para o hospital de um Posto de Socorro, onde sarei e vim para a Colônia. Agora, tendo a oportunidade, sou agradecida, tento educar-me no trabalho útil e no estudo da boa moral.

—Eu — falou Marina —desencarnei jovem, aos vinte e um anos. 


E, como vovó, ignorava completamente a continuação da vida, não tinha idéia do que acontecia com quem morria, se acaba, se ia para o inferno ou o céu. Teorias que não entendia e nem queria entendê-las. Não seguia religião nenhuma. Dizia ter uma só por rótulo. Para mim, a morte do corpo era somente para os outros. Desencarnei por um acidente de carro.

Socorristas, trabalhadores do Bem tentaram ajudar-me, repeli-os. 


Para mim, era loucos dizendo besteiras, como que meu corpo morreu.

 Foi um período difícil. Na minha casa, foi um caos. Meus pais intensificaram as brigas e acabaram por se separar. Um acusava o outro pelo meu desencarne. Sofri muito, julguei estar louca por não conseguir entender o que se passava e por não aceitar minha desencarnação. Com meu lar desfeito, vaguei pelas ruas com muito medo. Cansada de sofrer, resolvi apelar para Deus. Entrei num templo e orei, senti-me melhor e resolvi ficar ali. Entendi que religião faz falta, quando se é religioso sente-se protegido, quando se é realmente sincero e devoto na religião os sofrimentos são  compreendidos. E a morte não aterroriza tanto. 

Entendi que desencarnara, mas não sabia o que fazer para melhorar minha situação. Fiquei naquele templo a orar junto com outros desencarnados e com encarnados que lá iam. A oração levou-me a meditar, a me arrepender dos meus erros.

Fiz muitos atos errados, fui egoísta, materialista, nos meus vinte e um anos que passei encarnada, tinha muito do que me arrepender. Não saí mais do templo, temi os irmãos trevosos, tinha medo que eles me prendessem.

Eles não entravam no templo, mas via-os fora.


Fiquei anos no templo, cansei, resolvi ser sincera comigo mesma e pedir socorro. Chorando, pedi ajuda a Deus. Trabalhadores do Bem auxiliaram-me. Levei tempo para me recuperar num hospital de um Posto de Socorro. Hoje estou bem, sou grata, aprendo a viver aqui, anseio por melhorar moralmente e pôr em prática o que aprendo.

Marina suspirou, mas não estava triste, as lembranças de tudo que passou lhe dão forças para melhorar cada vez mais. Após uma pausa, foi a vez de Isa falar.


—Desencarnei por um tumor maligno no cérebro, depois de alguns meses doente. Estava com dezesseis anos. Seguia uma religião que equivocadamente me ensinou que, com a morte, adormecia para acordar no julgamento de toda a humanidade, nos fins dos tempos. Senti um torpor com a morte do meu corpo, uma espécie de sono, no qual achava que dormia, mas ao mesmo tempo via e ouvia tudo, embora sem muita clareza, o que se passava ao meu redor. Fiquei junto dos familiares a velar meu corpo. O desespero dos meus foi grande, gritavam, choravam, sofriam horrivelmente.


Sentia muita perturbação, mas também sentia-me amparada, escutava alguém convidando para ir, partir. Os meus familiares me seguravam e não me esforcei para ir, não queria deixá-los sofrendo tanto. Após meu corpo ter sido enterrado, meus familiares foram embora, chamei com fé: “Meu Deus, ajuda-me!” 

Socorristas me levaram para um Posto de Socorro tentaram explicar e me curar. A doença, o reflexo dela, ainda era forte em mim. Não me apavorei ao saber que meu corpo morreu, decepcionei-me por não ser como pensava, como acreditava. Entendi as explicações que gentilmente os benfeitores me transmitiam, raciocinando, achei justas e lógicas.

Não temi mais, e passei a dormir com mais tranqüilidade. Mas os lamentos, o desespero dos meus, enlouqueciam-me.

Julgava-me tão coitada por ter morrido que comecei a ter dó de mim, e a autopiedade não leva a nada, só maltrata, desesperei. Eles
começavam a chorar, eu também desesperava e chorava. Quando me chamavam, queria ir para perto deles e acabei indo. Que agonia!


Choravam, lamentava, era como se eu tivesse acabado. Sem entender, pois novamente fiquei confusa, sofri muito. Diziam que estava dormindo, que nada via ou sentia, gritava que não e novamente me apavorei, temi adormecer. Detestei ficar no meu ex-lar, quis voltar ao Posto de Socorro, mas não sabia como. Lembrei de Jovina, uma caridosa enfermeira que cuidou de mim, chamei por ela. Jovina carinhosamente veio em minha ajuda, senti alívio ao vê-la. “Jovina, socorre-me!” Implorei em lágrimas.


“Tira-me daqui, me leva para um lugar onde não possa voltar mais.” Jovina me levou para uma Colônia, onde fui internada no hospital do Educandário na ala para jovens. Tive de receber um tratamento especial para superar e entender o desespero dos meus pais, procurando não dar importância aos seus chamados para não sentir tanto. Os orientadores do Educandário, para que pudesse me recuperar mais rápido, tentavam ajudar mais pais.


Como o sofrimento leva muitas pessoas a procurar ajuda, meus familiares aceitaram conversar com uma vizinha Espírita que bondosamente lhes explicou que deveriam conformar-se com a vontade de Deus e que eu, sendo boa, deveria estar em bom lugar e que não deveriam me chamar, etc. Foram ótimos conselhos, que entenderam de modo confuso. Mas, para meu alívio, melhoraram, não chamaram mais por mim e não desesperaram, sofrendo menos. Pude então me sentir mais aliviada, esforcei-me para sarar, porque eles, pensando em mim como doente, com dores, me transmitiam isto, dificultando o desligamento dos reflexos da doença. Sarei e senti-me bem. Comecei a interessar-me em conhecer o Educandário, a Colônia, a fazer amizade e apareceu outro problema.


Julgavam-me santa, anjo, e encheram-me de pedidos. Pediram-me de tudo, para ir bem na prova da escola, para ter saúde, para não chover, ou para chover, sarar da dor de cabeça, achar objetos perdidos, etc. Pior que incentivaram todos os familiares, amigos e vizinhos a fazê-lo. Sentia estes pedidos e agoniava, queria ajudá-los, mas como fazê-lo? Instrutores do Educandário tentaram novamente ajudá-los para que eu melhorasse.


Novamente a vizinha Espírita foi a porta-voz, conversou com eles, orientou-os para que não pedissem nada a mim. Que pedissem a Deus, a Jesus, aos Anjos. Que eu, sendo boa, deveria estar em bom lugar, mas que talvez não me fosse possível ajudá-los e que sentiria por isto. Ficaram sentidos com a bondosa vizinha. Generosos instrutores do Educandário tentaram novamente esclarecê-los, desligando-os do corpo enquanto dormiam e conversando com eles.


 Foram aos poucos deixando, mas, ainda hoje, recebo pedidos. Amo meus familiares, desejo-lhes bem, oro por eles, mas não gosto nem de ir visitá-los. Sofri muito com a falta de compreensão deles.

A morte é tão natural, não sei por que fazer dela uma tragédia. 

Demorei muito tempo internada no Hospital, tive depois que fazer um acompanhamento com orientadores, até me sentir segura. Amo a vida desencarnada, sinto-me tão bem no Educandário.

Mas não foi fácil!

A conversa continuou agradável por mais tempo, depois nossas visitantes despediram-se e foram embora.


Fiquei a pensar...

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