domingo, 27 de agosto de 2017

Indagando
Aquele estranho, que por afinidades senti um amigo a velar por mim, continuava a sorrir. 

Olhou-me nos olhos. Lembranças de acontecimentos vieram à minha mente.

Ia levantar, era domingo, inverno, final de férias. Sentei na minha cama para trocar meu pijama quente por outra roupa, quando senti uma tonteira.


 Minha cama estava encostada na parede e foi nela que apoiei a cabeça. Parecia que algo explodia dentro de minha cabeça.

Estas sensações foram por segundos. Vi e ouvi por instantes, sem definir quem fosse, pessoas ao meu lado.

—Calma, Patrícia, calma! — alguém falou carinhosamente.


Senti que seguraram minhas mãos, como também senti mãos sobre minha cabeça.


—Dorme, dorme...


Dormi realmente. As lembranças acabaram como por encanto. O fato é que estava num quarto que não era o meu, diante de Maurício. 


Olhei para todos os lados. Entendera, não foi preciso ele responder, Maurício somente me ajudou a lembrar. Desencarnei. Estava tão calma que estranhei. Suspirei, o melhor é assumir. Não sabia que iria desencarnar um dia? Voltei a indagar Maurício, como se fosse um assunto banal.

—Que aconteceu? De que desencarnei?


—Uma veia rompeu no seu cérebro. Tem que haver um motivo para o corpo morrer quando é vencido o prazo de o espírito ficar encarnado. Foi por um aneurisma cerebral.


—Onde estou?


—Na Colônia São Sebastião. No Hospital. Na parte de Recuperação.


—Recupero-me de quê?


—De nada, você está ótima, aqui está somente para se adaptar.


Patrícia, lembra de sua avó Amaziles? Ela está aqui e quer vê-la.


A imagem de vovó veio à minha mente. Gostava muito dela. Esteve muito doente, piorara e fora para o hospital. Quando desencarnou estávamos, seus netos, a orar para que sarasse. Ao saber que desencarnou, pusemo-nos a chorar. “Como? — minha irmã indagou —


Estávamos a orar para que sarasse.” Minha mãe respondeu: “Suas orações foram ouvidas. Jesus, vendo que ela não poderia sarar no corpo, levou-a para que sarasse no Plano Espiritual.” Senti, sentimos muito seu desencarne. Agora, ali estava ela querendo me ver. Corrigi meu pensamento. Gostava? Não! Gosto muito dela!


—Por favor, Maurício, faça-a entrar — disse emocionada.


Vovó entrou no quarto de mansinho. Estava diferente, mais bonita, esperta e sem seus grossos óculos. Beijou-me na testa e nos abraçamos demoradamente. Meus sentimentos naquele momento ficaram confusos.


Sentia alegria em vê-la, mas, também, tive a certeza de que realmente tinha desencarnado. Senti um vazio e um ligeiro medo. Percebendo, vovó desprendeu-se, sentou-se ao meu lado, no leito.


Sorriu feliz dizendo:

—Patrícia, aqui é lindo! Logo poderei mostrar a você lugares maravilhosos. Você está tão bem! Tão linda! Necessita de alguma coisa?


Quer que lhe faça algo? Você... —Vovó — interrompi — como está mamãe? Papai? Juninho? Carla e o nenê? (Juninho e Carla são meus irmãos. Carla, quando desencarnei, estava grávida do seu primeiro filho.)


—Estão bem. São Espíritas. O Espiritismo dá aos encarnados o entendimento da morte do corpo.


Compreenderam os acontecimentos e sabem que seu desencarne lhe trará muitas felicidades. Juninho está bem, Carla também: irá ter um belo menino.

Seu pai é firme como a rocha, seu saber é o leme a dirigir o barco do seu lar.

—Vovó, eles não sentiram meu desencarne?!


—Sentiram. Claro que todos sofrem sua ausência.


Se ajudam mutuamente com muita compreensão. Fazem de tudo para mandar a você o carinho e o amor que sentem. Um dia vocês irão se encontrar, como agora se encontra comigo. Verá que nunca estiveram separados. O amor une.

—Vovó, por favor, cuide deles, o senhor também, Maurício. Ajudem-nos.


Mamãe deve estar triste. Será que chora por mim? Ela poderá não querer se alimentar.


Maurício, desde que vovó entrara no quarto, ficou sentado na poltrona em silêncio. Como me dirigi a ele, rogando ajuda, tentou tranquilizar-me.


—Patrícia, no seu lar terreno eles só nos pedem que cuidemos de você. A menina nos pede para cuidar deles. O carinho sincero que os une é laço forte. Cuidaremos de você e deles. Estarei sempre com você, até que se adapte bem me terá por companhia. Estou encarregado de velar por você.


—Obrigada — respondi tentando sorrir, mas acho que fiz foi uma careta.


Foi me dando um sono, uma vontade irresistível de dormir. Deitei.


Vovó ajudou a me acomodar. Meus olhos foram fechando. Os dois sorriram para mim. Vovó me beijou na testa, segurou minha mão.


—Acho que vou dormir...

Nenhum comentário:

Postar um comentário